Tuesday, October 02, 2018

A Pantera




"Seu olhar contra o mover das barras
ficou tão cansado que não contem nada mais.
Para ele, parece haver milhares de barras
e por detrás das barras, mundo algum.

Ao caminhar em exíguos círculos sem fim,
o ritmo de seus suaves e firmes passos
é como uma dança em torno de um eixo,
na qual um desejo poderoso encontra-se imobilizado.

Somente de vez em quando,
as cortinas das pupilas se erguem, quietamente.
Uma imagem se adentra,
desce através da quietude tensionada de sua musculatura,
mergulha em seu coração e se esvai"

A pantera | Rainer Maria, Rilke
Paris, 1902


Neste poema, Rilke praticou o que ele chamava de {visão interior}, uma viagem fantástica desde a superfície ao coração de algo inanimado, de um objeto, como os animais que ele observava, aqui, uma pantera.

No processo, as percepções levavam a uma conexão emocional. Um detalhe importante é levar em consideração o ponto de vista do objeto (da pantera), podendo tanto humanizar coisas como tornar humanos em objetos.

No poema, Rilke demonstra que é possível se identificar com os animais, por terem instintos parecidos com os do homem. Homens e animais não compartilham uma língua comum, logo animais continuam sendo um mistério para nós. Diferente dos objetos inanimados, ao observar um animal, ele te observa também. O fitar de ambos os une e efetiva o envolvimento do observador.

A pantera observada foi definida somente em termos de sua prisão. No poema, ela se torna na liberdade que não possui. As barras se movem, o animal que as observa se tornou em jaula, em coisa. Finalmente, Rilke descreve os olhos da pantera, pelos quais imagens adentram seu ser, rumo ao centro do corpo e coração, ali são capturadas e consumidas para a eternidade.

Eu me sinto incomodado com as relações sustentadas pelas mídias. Elas passam por um processo semelhante. Humanizamos as mídias, com todas as mentiras e exacerbação do ser que trazem consigo e, no muito observar e nos adentrar nesse mundo, passamos a nos coisificar e a não ser mais nossa essência. A princípio nos aproximamos e observamos, pensamos dominá-las. Num piscar de olhos, a grande rede é quem nos observa e imprime comportamentos gélidos.

Estamos apenas tentando nos libertar da solidão mental, por meio de empatia?