Eu me pergunto se, em certo momento na
vida, todo mundo se sente menos egoísta e experimenta pensar mais no próximo, seja
humano ou animal. Outro dia eu estava lendo a respeito de um sentimento
irritante do qual compartilho: a noção de sermos todos especiais, sustentada
pela arrogância e vaidade humanas.
O ser humano acredita que somos superiores
na Terra, será mesmo? Superiores a todas as demais espécies e, talvez, os
únicos dotados de uma missão, um propósito. Que mediocridade, principalmente
quando, individualmente, o placar da maioria das pessoas está uma vergonha em
matéria de altruísmo ou conquistas.
É justo dizer que a mente humana é a mais
avançada na Terra. Promovemos conceitos como ambição, invenção e planejamento,
o que nos deu uma vantagem sobre outras espécies. Mas até nisso tenho minhas
dúvidas. E se houver uma mente muito mais avançada cuja missão de vida, porém, não
seja dominar outras espécies? A ideia de dominação de outras espécies tão
apropriada pelo ser humano sem, contudo, responsabilidade e zelo é podre.
E no âmbito físico? Idolatramos atletas, instrutores,
modelos, atores mais do que idolatramos nossos gigantes mentais, como pesquisadores,
mestres, cientistas e filósofos.
Compartilhamos a maioria das características
anatômicas de outros mamíferos - os órgãos vitais e a fisiologia são muito
semelhantes. Com isso em vista, está provado que somos extremamente inferiores
fisicamente quando comparados a outros. A maioria pode correr mais rápido do
que o homem, é várias vezes mais forte e pode saltar muitas vezes mais alto e sobreviver
a níveis muito maiores de dificuldades elementares.
Outras espécies também mostram
superioridade física significativa, em muitos casos. Os peixes ostentam maior
velocidade e capacidade de viver em ambientes de baixo oxigênio que seriam
letais para o homem. Insetos possuem enorme força relativa e capacidade de
trabalhar quase continuamente. O mundo vegetal é capaz de converter a luz do
sol em energia.
Fisicamente, temos grandes limitações.
Nossos corpos são incapazes de combater as células cancerígenas indefinidamente.
Não combatemos os ciclos que levam à pressão alta ou doença arterial
coronariana. Não temos a capacidade de regenerar a pele perfeitamente. O sistema
histamínico de pessoas alérgicas a abelhas pode matá-las em resposta a uma
toxina relativamente leve. Outros podem morrer por sua própria resposta imune
se estiverem gravemente doentes. Nosso corpo é incrível, mas também contém
enormes falhas cíclicas que agem em nosso detrimento.
Como seres humanos, é verdade que cada
indivíduo é único, mas não mais único que dois flocos de neve que não são
iguais ou dois cachorros que têm marcas faciais diferentes. Somos apenas um
produto do DNA de nossos pais e sua expressão - isso é verdade para todos os
animais da Terra.
O que soa absurdo é como as pessoas consideram
que todos os 7 bilhões de humanos são especiais, como se cada um de nós tivesse
um propósito poderoso na Terra. Antes de se parabenizar por quão magistral você
é, observe o seguinte:
1. Pode-se dizer que cada par de mãos realiza
uma pequena tarefa e isso torna a civilização possível. No entanto, apenas uma
minoria da população mundial é produtiva. A pobreza em massa e a falta de
educação fizeram com que uma maioria dependesse de uma minoria para
sustentá-los em todo o mundo. Nenhuma outra espécie de mamífero pode se gabar
disso. Vergonhoso.
2. Só a população da Índia aumenta 1
milhão por mês. De que forma cada uma dessas pessoa é extremamente especial e
crítica para o universo?
3. A maioria das pessoas pode ter filhos.
Basta um espermatozóide e um óvulo, os quais são encontrados em grande
abundância na maioria das pessoas. Como podemos afirmar que somos especiais quando
praticamente qualquer encontro poderia ter produzido você? O processo em si é
uma grande conquista biológica, mas existem bilhões de outras pessoas resultantes
desse mesmo processo.
Resumindo: você não é especial. Pense em pessoas
brilhantes que já morreram e no quanto as pessoas sentem falta delas agora,
após décadas e séculos. Essas foram pessoas realmente ótimas.
Agora, pense no homem comum e em como sua
contribuição para o mundo é insignificante, exceto por sua capacidade de
sustentar a espécie. Mesmo isso é discutível quando se tem uma enorme
superpopulação mundial.
A questão é que, mentalmente, podemos ser desafiados
por bilhões de outros seres humanos melhores. Fisicamente, estamos entre as
espécies mais fracas da Terra. Vergonhosamente, usamos nossa proeza mental para
dominar outras espécies.
Procriamos com facilidade e estamos em
abundância excessiva. Com tudo isso em mente, as pessoas ainda fazem afirmações
como "Você é tão especial e foi colocado aqui para um propósito divino";
"Você foi tocado pelo divino".
É verdade que Deus tem o poder de dotar
cada ser humano de um propósito divino, mas Ele tem o bom senso e ética de
esperar que cada qual se prontifique para tal. Deus não obriga ninguém a nada.
É hilário quando alguém diz que "um
mundo sem você é intolerável"; "você é importante para o
funcionamento da galáxia". Na verdade, nenhum de nós fará falta em 100
anos. Com sorte, seremos apenas uma memória. Para muitos, a ideia de que elas podem
ser tão especiais para este planeta quanto um jumento ou um morro é excruciante.
Bom, mais uma vez, diante disso, eu me
pergunto, como as pessoas conseguem viver de maneira tão egoísta, sem experimentar ajudar o próximo, seja humano ou animal? Para mim, todo mundo já nasce um nada.
Para a maioria, se contentam com morrer como um nada.
Cito Rilke:
Quem, hoje, ainda se importa com uma morte distinta? Ninguém. Mesmo os ricos que, afinal de contas, poderiam ter esse luxo, começaram a ficar preguiçosos e indiferentes. O desejo de ter uma morte distinta está se tornando cada vez mais raro. Em breve, será tão raro quanto uma vida distinta. ― Rainer Maria Rilke, The Notebooks of Malte Laurids Brigge
2 comments:
A citação de Rilke foi perfeita. Quanto mais evoluímos (as vezes parece que só em números), mais ordinário tudo e nós estamos estamos nos tornando. Mas a arrogância reina...
Essa reina, Joy! Lamento o dia em que conheci pessoas graduadas em alguma forma de arrogância.
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