Sunday, May 08, 2011

Heaven (revisited)


Continuando a série, hoje estou postando a explicação de "Heaven", do cd "Long Fall Back to Earth", feita pelo Dan Haseltine, vocalista da banda. Fico sem palavras com a forma como ele sabe falar a verdade. O trabalho do Jars of Clay não é mesmo algo a ser apreciado superficialmente. Você até poderia escolher assim, mas perderia 90% do que eles representam como artistas e pessoas. Essa banda nunca se tratou exclusivamente do musical para mim. Em toda a minha imperfeição, eles me movem, me comovem, me desafiam e me chocam como ninguém consegue.

Ouça a música aqui.


"Eu considero que “Heaven" foi um triunfo criativo. Não que ela seja melhor que outras canções que co-escrevi. É simplesmente por ser uma canção que lida com algo sobre o qual nunca havia escrito antes no Jars of Clay.


"The Long Fall Back to Earth" é um cd sobre relacionamentos. Ele foi escrito em uma época em que todos parecíamos atingir muralhas significantes em nossos casamentos e amizades. Descobrimos que na maioria dos dias, o amor não era bem o que pensamos ser. Era algo mais potente, devastador, curador e assustador.


Passei pela experiência de estar com alguns amigos que estavam trilhando com dificuldades seu caminho de volta à sanidade relacional e na maioria das vezes, nada estava funcionando. Os aconselhamentos e as mudanças na comunicação não representaram as balas de prata que precisavam para destruir o lobo presente, que estava devorando cada restinho de compaixão e empatia que podiam reunir.


As palavras que não paravam de vir a minha mente eram 'algumas pessoas são simplesmente tóxicas umas com as outras'. Como lutar por seu próprio casamento enquanto percebe que outros rapidamente estão perdendo essa luta?


Como encontrar a força que precisamos para caminhar adiante, rumo a pessoas que mais têm o potencial de te ferir? Os relacionamentos são complicados e ainda assim, há recompensas para aqueles que os consideram de forma séria e cuidadosa.


Acredito que podemos considerar que essas estações acontecem para todo mundo. O casamento é um crisol. Ele não nos permite viver em total diplomacia, sendo como somos. A maioria de nós está muito presa ao amor, para perceber isso em meio ao noivado e aconselhamento pré-marital. Temos uma visão muito romatizada dos votos do casamento e isso remove a nossa habilidade de prevermos o que acontecerá no futuro.


Quando eu disse as palavras “na doença e na saúde… na abundância ou na escassez… na pobreza ou na riqueza” eu não estava pensando na pior faceta da alma e do coração humanos. Eu pensava em trazer sopa e mais lençóis. Pensava que discutiríamos sobre qual filme queríamos ver. Não pensei que significaria ter que morrer totalmente para mim mesmo, ou que o casamento era o meio pelo qual Deus poderia pegar o pior em mim e o expor, de modo que eu tivesse que lidar com aquilo. Logo, com toda a complexidade relacional em volta de mim, sem falar na minha própria, decidimos escrever um cd que falasse abertamente sobre o nosso coração e interações humanas.


Há canções no cd que lidam com o relacionamento de pai para filho. Outras lidam com traição e a arte de criar pedidos genuínos de perdão. Outras lidam com a dualidade do coração e nossa inclinação para querer e negar a intimidade no relacionamento. Há canções românticas que falam aos anseios de nossos corações, na inocência do cortejo. Há ainda canções sobre como é difícil romper barreiras e se sentir perto de verdade de alguém.


Logo, como uma música sobre o céu poderia se encaixar em um cd como este? Não poderia. Tínhamos um objetivo específico para esse cd e de forma alguma arruinaríamos esse objetivo, colocando uma música pomposa sobre o céu no meio da combinação. Também me desafiei a escrever letras que eram totalmente orgânicas e humanas. Não usaria nenhuma linguagem grandiosamente espiritual.


No meio de tantas guerras diárias que estavam ocorrendo na vida de meus amigos e sob meu próprio teto, seria nada mais que um insulto usar uma linguagem vaga e descartável, própria de uma religião desincorporado e cultura adorativa, para falar de amor e ódio, divórcio e frustração, da forma como eu queria.


Portanto, se “Heaven” não fala sobre o céu, do que ela fala? Sem dúvida é uma música sobre intimidade, mas seria mais seguro dizer que ela é uma música sobre sexo.


Não somos a primeira banda cristã a escrever sobre sexo, mas talvez sejamos a primeira que teve sua música sobre o tema, escolhida pelas rádios cristãs como single. Nunca tivemos a intenção de enganar ninguém. No entanto, foi incrível Closer”, do mesmo cd, não ter sido escolhida como single, por usar a palavra “pele” na letra. Fiquei surpreso ao ver que essa palavra significaria tanto risco e que seria considerada ir longe demais. Fiquei frustrado por nossa cultura cristã ainda ter a necessidade de sufocar qualquer senso de verdadeira humanidade de nossa arte e expressões musicais. Fiquei surpreso por uma música como “Forgive Me” não ter sido usada como single nos EUA, por ser muito forte e sombria. No entanto, a música que a rádio estava disposta a tocar, fora exatamente sobre o assunto que é MAIS tabu na cultura cristã. Toda vez que ela tocava no rádio eu ria.


Debatemos quanto à letra de “Heaven” por um bom tempo. Ela fala do dom de conhecer alguém completamente. É uma canção que fala sobre quão difícil é remover todas as distrações do mundo, todas as vozes e intrusões que penetram em um diálogo tão importante. Ela não usou nenhuma linguagem sexual. Na verdade, quando estávamos gravando “Heaven”, eu me lembrava do Duran Duran, mas eram músicas como “Wild Boys”, “Rio” e “New Moon On Monday”, a que fizemos referência. Essas nem eram as músicas mais carregadas de conteúdo sexual. Falar de sexualidade como uma experiência que mais se aproxima do tipo de intimidade que conheceríamos com nosso Deus é arriscado e intoxicante.


Novamente prefiro não detalhar verso por verso, mas posso dizer que você certamente vai ouvir algo diferente da próxima vez que ouvir essa canção.


Sexo não é algo sem custo. Não é descartável. Não é errado. Nem contra as regras. Não é vergonhoso. Logo, visto que alguns vão ler isso e usá-lo como desculpa para tirar o cd das lojas (espero já estarmos muito além da cultura que reagiu tão mal à música “Love Cocoon” do Vigilants of Love’s), espero que essa música sirva como um convite a expandir os limites daquilo que os cristãos podem e deveriam escrever a respeito e expressar em nossa música, tanto dentro como fora da igreja. Eu me pergunto quantas rádios cristãs que tocaram “Heaven” e gostaram dela, teriam escolhido não fazer isso, se soubessem o que ela falava de fato."

...

Vejam a letra:

Heaven (Céu)

Go undercover, we drop from the screens (Vamos para o esconderijo, caímos das telas)
We're hunters and lions, we are submarines (Somos caçadores e leões, somos como submarinos)
Under the surface, slip through the wires (abaixo da superfície, deslizamos pelos fios)
Decipher the code words, disable the liars (deciframos os códigos, desabilitamos os mentirosos)

Refrão:

And find, glowing on the inside (E o encontre a brilhar por dentro)
What's growing on the inside (ele que se expande por dentro)
Heaven's not that far (o céu não está tão longe assim)
glowing on the inside (está brilhando por dentro)
Showing on the inside (exposto por dentro)
It's growing where we are (crescendo neste lugar em que estamos)

We shatter devices, exit the stage (Destruímos objetos, saímos do palco)
We stop masquerading, to rattle the cage (paramos de finjir, para fazer uma algazarra na prisão)
We face every searchlight at places we hide (encaramos os holofotes nos lugares onde nos escondemos)
We dress up for Eden, the gates open wide (nos preparamos para o Éden, os portões estão escancarados

(Refrão)

(We are, we are, we are) (Nós somos, nós somos, nós somos)
We're hunters and lions (Somos caçadores e leões)
We go undercover, we cover, we cover (Vamos para os esconderijos, damos cobertura, damos cobertura)

6 comments:

Anitha said...

Haha Essa me pegou de surpresa! Não tinha notado o assunto nela, tinha entendido de outra forma. Adoro a coragem da banda de mexer com assuntos que os crentes condenam.

"No entanto, a música que a rádio estava disposta a tocar, fora exatamente sobre o assunto que é MAIS tabu na cultura cristã. Toda vez que ela tocava no rádio eu ria."
No Brasil, ele morreria sem ar de tanto rir sobre os comentários do povo...

Juca said...

Olha uma parte de nossa conversa na EV:



Jhoy:
Juca, tem algum comentário aqui sobre Heaven? To com ela na mente essa semana, e não achei comentários...

Juca:

Jhoy, eu mexi na letra de Heaven e acabei perdendo a referência de onde ela estava, mas acho que tem sim, pois todas as músicas foram comentadas, vou encontrar e te passo, ok?

Heaven (Céu)
Steve Manson: “‘Heaven’ é uma das músicas que escrevemos primeiro para este cd. Ela estava fortemente influenciada pelo som dos anos 80, ao som do qual todos crescemos. Sobre a letra, eu amo essa letra, pois parece que sempre procuramos pelo céu do lado de fora e ao nosso redor, quando na verdade a eternidade foi impressa em nossos corações e podemos acessá-la, simplesmente guardando a certeza do que está dentro de nós e do que nos vivifica, ao longo do curso de nossas vidas.”



Acho que todos ficamos um pouco influenciados por esse comentário do Steve, levando a música para o aspecto místico da palavra 'céu'.

Eu tinha dúvidas de que Scenic Route fosse sobre sexo, mas Heaven não me parecia ser. Eu assumia que era sobre a eternidade, como Steve comentou, mesmo não entendendo alguns versos metafóricos. Por trás do tema principal, acredito que exista o desejo da banda de descobrir o tema, de revelá-lo, de falar sobre ele em uma música. Ao passo que eles não usaram linguagem sobre sexo mais diretamente, eles colocaram a opinião da banda, sobre a necessidade de tratar do assunto, ou pelo menos de descrevê-lo, da maneira como o desenvolveram em suas vidas e no tema geral do cd, quando muito o assunto nem é citado, por medo, por reserva e por uma romantização negativa e condenadora no âmbito congregacional.

Anitha said...

Lembro dessa conversa, deixamos a idéia pela metade. Tudo bem, estávamos um pouco "errados" a respeito! rss

Eu levei pelo lado eternidade e "paz de Cristo em nós", uma vez que a paz não é não é uma dádiva terrena/humana, e também "Cristo vive em mim". Parece meio desconexo, mas se tratando do assunto é tudo interligado de alguma forma. Mas também não entendia alguns versos, não fazia sentido de forma alguma, nem com muito esforço. (Gosto desse desafio de descobrir a mensagem deles.)

Não duvido nada que num próximo projeto eles falem mais sobre o assunto. Faz um tempo que o tema tem sido relacionamentos. De Good Monsters pra cá, eles tem apertado bem todos os lados dos relacionamentos que temos com nós mesmos, e o próximo. Tem muito pra expor ainda. :)

Juca said...

Total! Ficou super pela metade mesmo! Mas a gente comenta sobre tudo mais, então temos um desconto =D Além do que, acho que Long Fall foi o cd que mais comentamos na comuna e muitos temas já discutidos passavam pela intimidade nos relacionamentos em outras músicas e fomos fundo nos comentários!

Acho que também a idéia que tivemos se conecta com o que o Dan comparou a relação Homem + Deus, com essa intimidade do contato na coabitação, que não tem a ver somente com o ato sexual, mas com o relacionar-se em geral, compartilhando uma vida juntos.

Concordo que os versos nos levam a entender céu como algo que temos dentro de nós, a redenção, a paz, o amor. Tudo está interligado sim, mas foi ótimo ver que Heaven não se desviou da intenção de descrever o momento em que passavam e que seus amigos passavam em seus casamentos e amizades.

Outra explicação que eu amei, foi de Fools in Love, Hawk in Paris ^^

Anitha said...

Quero MUITO ler sobre Fools In Love! *.*
[Saicorrendoebatenaparede]

Manuela Moraes said...

Gente, existe palavra melhor do que "PASSADA" pra definir como eu fiquei com essa explicação?
Nuncajamaisnavida passou pela minha cabeça que esse era o significado de Heaven. Eu pensava que o "heaven" era a obra de Cristo se realizando em nós todos os dias, "growing where we are". E eu acho que esse sentido pode continuar co-existindo com o sentido que o Jars revelou, claro.

Apesar da minha surpresa inicial, o Jars ahazou, como sempre. Como assim uma banda cristã falar sobre SEXO, essa coisa suja e nojenta que os cristãos só devem aprender a soletrar na noite de núpcias (/irony)?
Se tem uma coisa que eu amo é quando hipocrisias são quebradas, e esse foi o caso. Well done, guys.

Obrigada pela tradução, Jucs :**