O Invisible Children foi pioneiro em muitas das melhores formas de se usar a mídia social, para trazer esclarecimento a questões que precisavam ser meditadas e engajadas pela comunidade mundial.
É difícil falar com voz crítica em meio a um movimento 'positivo', com um propósito bem intencionado, mas se a repercussão de um movimento assim for errada, isso poderia gerar efeitos duradouros na forma como engajamos a ação social, por muitas décadas. Isso significa que vidas de verdade estão em jogo.
Se este movimento ferir mais que ajudar, ele pode mudar o clima de ceticismo, com relação a causas e histórias humanitárias. Será mais uma barreira a se derrubar, para que seja possível se importar e agir a favor.
Se os EUA removerem Joseph Kony, o que vai acontecer? Há complexidades nesta pergunta, que não se deixam escapar facilmente. Se você falar com o povo Ugando sobre o KONY2012, as complexidades se tornam ainda mais claras.
O problema fundamental no movimento é a dignidade. O caminho para se atingir um objetivo em qualquer ação social que foque em esclarecer e corrigir uma circunstância injusta é tal que você você VAI TER que considerar as pessoas a quem deseja servir.
Às vezes, uma boa ideia pode sabotar completamente a infusão de dignidade em um dado quadro. Fotos bem intencionadas de crianças com moscas em seus rostos, que foram tiradas como forma de se contar a história da fome, na verdade podem ferir mais do que fazer o bem.
Podemos estabelecer posturas que tornam fácil o fato de nos sentirmos como se fôssemos o salva-vidas e as pessoas vítimas da pobreza em um país crítico fossem apenas uni-dimensionais. A boa sensação de sermos heróis pode implicar na incapacidade das pessoas se salvarem a si mesmas, sem nossa ajuda.
O chamado para agir por parte do movimento é para uma ação que poderia se passar por um ato de desobediência civil. As pessoas são chamadas a cobrirem casas, escolas, cidades, ruas, prédios, com cartazes e adesivos (IC instruiu os apoiadores a pregarem apenas em estabelecimentos próprios, ou alheios com permissão - eu hein...).
E a dignidade? Onde ela está no ativismo? Os donos desses estabelecimento teriam o direito de se sentir desrespeitados, violados, por terem que ficar o dia inteiro retirando os cartazes de seus estabelecimentos? Cartazes pregados por pessoas engajadas em um protesto de desobediência civil? Tal movimento não convidou pessoas a se importarem, ou alavancarem suas próprias vozes e recursos, em nome de uma campanha. O resultado imediato seria uma total alienação do tamanho de uma sociedade. Não precisamos de pessoas alienadas. É preciso se importar com sua própria comunidade, para se sustentar um movimento.
Na própria Uganda, o problema seria pior. Do ponto de vista dos Ugandos, este movimento fala em alto e bom tom, que o exército Ugando não fez nada. O chamado à ação fala de um pleito com o objetivo de elicitar uma resposta das forças armadas americanas, para agir e remover um líder estrangeiro, Joseph Kony. Automaticamente, estamos falando “Os Ugandos não conseguem fazer isso por conta própria”, apesar de o exército Ugando ter se responsabilizado por remover Kony e o LRA da Uganda.
Tal movimento, ao não comunicar nada sobre o processo de como agir com justiça sobre Joseph Kony, é negligente em contar às pessoas que facções militares foram informadas a atirarem em Kony, assim que o virem. Joseph Kony terá que ser executado. É isso que “fazer justiça” significa no caso de Kony. Para os que são refletidamente contra a pena de morte, eis aí um dilema.
O movimento de conscientização, em sua simplicidade, não esclarece o dilema, portanto nos faz acreditar que um simples ato de afastamento de um tirano seja a solução. O movimento é negligente quanto a informar a história de TODAS as demais organizações e indivíduos e cidadãos que têm trabalhado duro para servir aqueles afetados pela guerra na Uganda e aqueles que deram suas vidas tentando acabar com os horrores causados por Joseph Kony.
Isso claramente não honra as lutas de uma vida inteira e as pessoas que morreram sob o poder de Kony. Assim como não honra a vida de um alcoólatra, dizer a ele que você sabe melhor que ele, a melhor maneira para se parar de beber, sem sequer ter pedido a ele para lhe contar sua história.
É preciso investir tempo para se conhecer alguém, conhecer sua história. Compreender seu coração e paixões. Conhecer seus sonhos e objetivos. Assim veremos nossa própria história, enredada em sua história e nos veremos implicados no trabalho de ajudar em questões que eles querem mudar em si e em suas comunidades e famílias. Isso leva tempo e geralmente é um tipo de trabalho que é feito sem o glamour de movimentos ligados a ele. No entanto, essa é a única maneira de manter a indignidade intacta.
Algumas pessoas não querem se sentir como se estivessem sendo resgatadas. O que fazer com um movimento que não trabalha em função da dignidade de um povo? Aplaudimos o movimento pelo marketing genial que fizeram? Acreditamos nele e apoiamos a causa, mesmo se no fim você tiver sido enganado, ou mal informado, só para não sermos estraga-prazeres?
A ideia pode ser uma boa ideia de marketing, no entanto não é uma forma de ação muito dignificante. Eu não acredito que temos o dever de apoiar uma campanha que não valorize a integridade de um povo.
O retrocesso e engajamento crítico inútil que pessoas tiveram que apoiar, poderia fazer com que pessoas com boas ideias, desistam. Seria péssimo se outras pessoas concluíssem que fazer uma boa ação é muito arriscado ou que fazer uma boa ação representa muitas chances de se falhar.
O número de pesquisas em torno de desenvolvimento comunitário é imenso e a IC deveria nos mostrar que uma boa ideia de marketing é importante, mas que não é a peça principal do quebra-cabeça.
No link abaixo, podemos ler a opinião de Ugandos que viram o vídeo exibido em seu país. Se a maioria pensa como os que viram a exibição, será que a campanha deveria ser dissolvida? Algumas pessoas comentam que os Ugandos não entenderiam o vídeo feito pela IC, pois ele não foi feito com Ugandos em mente e sim para fazer com que os americanos tomem uma postura sobre o assunto. Bom, o link desbanca conceitos errados sobre o quanto os Ugandos são inteligente e engajados/conectados entre si.
“Ao final do vídeo, o clima passou a ser mais de indignação contra o que muitos viram como um relato estrangeiro inexato, que apenas diminuiu e comercializou seu sofrimento, pois o filme promove braceletes Kony e outros itens de merchandise, com o objetivo de tornar Kony infame.”
http://boingboing.net/2012/03/14/uganda-screening-of-kony-201.html?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter
Texto adaptado do blog: Dan Haseltine
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